O REINO VISIGODO

Os visigodos foram um dos povos germânicos que ocupou os territórios que pertenciam ao Império Romano no Ocidente. Eles faziam parte de uma tribo maior chamada de godos. Os visigodos eram chamados de  “godos do oeste”, para se diferenciarem dos ostrogodos ou godos do leste.

Os godos habitavam o território situado às margens do Mar Negro, na atual Romênia. Por volta dos séculos II e III, os visigodos abandonaram seu território natal e se deslocaram em direção a Roma. Eles haviam assimilado vários costumes romanos por já conviverem com as legiões romanas (o exército romano) que ocupavam as regiões em torno do rio Danúbio.

          Os visigodos avançaram sobre a Península Itálica e ameaçaram invadir Roma. Para impedir o domínio visigodo sobre a cidade, o imperador Teodósio ofereceu aos visigodos um tratado de federação. Seguiram, então, para o sul da França e lá fundaram, em 418, a cidade de Toulouse, que se tornou a capital do seu reino até o ano de 507, quando foram expulsos pelo rei dos francos, Clóvis I.

Reino Visigótico por volta de 500
https://pt.wikipedia.org/wiki/Reino_Visig%C3%B3tico

Expulsos do território franco, os  visigodos deslocaram a capital do seu reino para Toledo, uma cidade no centro da província romana da Hispânia. Como aliados dos romanos, foram os responsáveis por manter a Península Ibérica como uma província romana, submetendo os outros povos germânicos que viviam na região, como os suevos e os alanos.

Quando os visigodos iniciaram os seus contatos com os romanos, eles eram politeístas, assim como os demais povos germânicos. Mas a partir do ano 240, se converteram ao cristianismo ariano (arianismo) pregado pelo bispo Úlfilas. O arianismo afirmava que Cristo não tinha a mesma natureza que Deus e foi considerado como heresia pelo cristianismo católico no Concílio de Niceia, em 325.
As divergências religiosas entre os reis visigodos, que eram arianos e os bispos católicos, que eram autoridades políticas e religiosas muito influentes desde o período romano, se tornaram cada vez maiores, gerando uma série de conflitos internos, que desgastavam o reino.
As guerras religiosas só terminaram com a conversão do rei Recaredo I. Este confirmou a resolução do III Concílio de Toledo, em 589, que bania a doutrina ariana. Dessa maneira, unificou a religião na Hispânia, tornando-se um grande apoiador e proteror da Igreja Católica na Península Ibérica.
Os reis visigodos eram eleitos por uma assembleia composta pela nobreza proprietária de terra e de títulos e pelos membros do clero católico. Para ordenar o convívio entre os visigodos, os romanos e os outros povos que foram dominados pelos visigodos, o rei era considerado o juiz e legislador supremo, além de chefe do Exército. No entanto, como o poder real era eletivo e não hereditário, as brigas pelo poder entre os nobres eram frequentes. Para você ter uma ideia, de trinta e quatro reis visigodos, dez morreram assassinados por seus familiares, nove por cortesãos e apenas quinze faleceram de morte natural.
Mesmo com a queda do Império Romano Ocidental, em 476, os visigodos continuaram a dominar o território da Península Ibérica e o seu reino durou do ano 420 a 711, quando foi dominado pelos árabes muçulmanos.

Marta SilveiraProfessora de História Medieval da UERJ

A HISPANIA ANTIGA

                A Península Ibérica, local de origem do reino português, é onde, de acordo com os mitos antigos, ficavam as Colunas de Hércules, o grande herói grego que sustentava o mundo, impedindo que desmoronasse.

                Na Península viviam, desde a Antiguidade, povos como os celtiberos, vetões, vascões, váceos, lusitanos, tartessos e íberos. Eles habitavam as regiões da Cantábria, da Meseta e a faixa mediterrânica ibérica.

Mapa das três províncias da Hispânia segundo a divisão provincial de Augusto no ano 27 d. C.

A Península Ibérica começou a fazer parte do Império Romano desde o século I a.C., quando foi conquistada pelos romanos após uma luta de vários anos contra a cidade de Cartago.

A cidade de Cartago foi fundada pelos fenícios, um povo antigo que, com a sua habilidade comercial dominou, durante muitos anos, grande parte do comércio no Mar Mediterrâneo.

Os cartagineses identificaram o sul da Península como fonte de prata, um metal muito valioso e fundamental para o comércio, pois com ele se faziam moedas. Os cartagineses, então, resolveram fundar uma série de bases comerciais na região do estreito de Gibraltar, onde mantinham contato com o comércio das sociedades locais, especialmente com os tartessos.

Os tartessos habitavam a região peninsular da Tartésia, onde a prata era abundante. Ao que parece, os tartésios aprenderam com os cartagineses a extrair, refinar e processar metais como o ouro, a prata e o cobre. Em troca dos metais, os fenícios forneciam aos tartésios azeite de oliva, jóias, objetos de marfim, pequenos frascos de perfume e artigos têxteis.

Além dos tartessos, os cartagineses também mantinham um estreito contato com os íberos. Desde o ano 500 a. C., os íberos ocupavam o litoral da Península Ibérica e mantinham contatos comerciais com vários povos mediterrânicos. Por suas habilidades marítimas e guerreiras, atuavam como soldados mercenários para os cartagineses.

Conforme Roma cresceu e expandiu o seu domínio sobre a área mediterrânica, entrou em conflito com os cartagineses. Esse conflito ficou conhecido como Guerras Púnicas, que se desenvolveu em 3 fases, entre os séculos III a II a.C.

Durante a primeira fase das Guerras Púnicas (264 – 241 a.C.), os cartagineses, que antes só mantinham contato comercial com os povos ibéricos, resolveram ocupar, de fato, a faixa mediterrânica da Península Ibérica.

Como parte da estratégia para derrotar os cartagineses, os romanos resolveram, em 218 a.C., durante a segunda fase das Guerras Púnicas, ocupar a Península Ibérica, que passou a ser uma província do Império Romano com o nome de Hispania.

Marta Silveira (Professora Adjunta de História Medieval da UERJ)

Agostinho de Hipona (354-430)

Disponível em: A EXPRESSÃO DA BELEZA EM SANTO AGOSTINHO DE HIPONA E SUA CONTRIBUIÇÃO PARA A FORMAÇÃO DO SER HUMANO. « Província do Santíssimo Nome de Jesus (fradesfranciscanos.com.br)

Agostinho de Hipona é considerado tradicionalmente, por católicos e protestante, como um grande filosofo cristão medieval, mesmo tendo vivido durante a antiguidade. Nasceu em Tagasta, em 354, Numídia. Filho de pai pagão e mãe cristã, cresceu pagão. Com 17 anos, foi para Cartago completar a sua educação e lá conheceu a sua amante, que não teve o seu nome revelado nas obras de Agostinho, e com ela teve o seu filho Adeodatua (dado por Deus).
Estimulado pelas questões filosóficas levantadas por Cícero, Agostinho considerou a Bíblia, em um primeiro momento, incapaz de resolver a suas dúvidas, especialmente quanto à sua dúvida principal: “Qual é a origem do mal?”.

Agostinho buscou a resposta a essa dúvida no maniqueísmo, que o oferece uma resposta a seu questionamento. Para os maniqueístas, a maldade que vemos é resultado da guerra entre o Reino da Luz e o Reino das Trevas. Sua fé ao maniqueísmo não durou tanto, pois após nove anos, o bispo maniqueísta Fausto chegou a Cartago. Agostinho estava pronto para fazer-lhe diversos questionamentos acumulados em seus anos de estudo, mas logo percebeu que Fausto não era um homem culto e, portanto, não conseguiria responder às suas questões.

Em 385, Agostinho mudou-se para Milão, onde trabalhou como professor e conheceu o bispo Ambrósia, que se tornou o seu mentor e responsável por sua conversão ao cristianismo. Depois de sua conversão seus interesses mudaram e ele passou a estudar principalmente o texto bíblico e “em suas Confissões, querer conhecer apenas Deus e a alma, e nada mais” (Geymonat, 1970: 465 apud B. MATTHEWS, 2007).

Agostinho dedicou-se a refletir sobre os grandes desafios teológicos que a Igreja enfrentava no momento em que necessitava organizar os seus dogmas, definir o que seria os pressupostos heréticos, estabelecer a sua autoridade sobre as autoridades laicas e elaborar mecanismos que lhe permitisse expandir o cristianismo frente aos povos germânicos. Logo, tais questões estiveram no âmago da obra agostiniana, mesmo que nem sempre explícitas.

Trecho de uma cópia do manuscrito “A Cidade de Deus”. Feito por Jacobus De Stephelt em 1472. Disponível em https://stringfixer.com/pt/The_City_of_God

Em uma de suas obras mais significativas, “A cidade de Deus”, Agostinho criticou o Estado, argumentando que este apoia o pecado e a solução seria que a Igreja ampliasse  o seu poder político a fim de garantir o ordenamento social de acordo com os princípios da cidade celeste.

Uma outra questão que se mostrou bastante pertinente na obra de Agostinho foi a formulação é sobre como Deus é a Trindade (Pai, Filho e Espirito Santo) e como o homem relacionava-se com a divindade através do entendimento da sua própria alma. A profundidade dessa obra foi reconhecida por Jacques Le Goff:

Segundo uma curta narrativa, certo dia Agostinho encontrou uma criança numa praia; vendo-a tentar colocar o mar num buraco com a ajuda de uma colher de prata, observou que era mais fácil para a criança conseguir seu intento do que ele próprio explicar o mistério da Trindade num pequeno livro. Esse tipo de narrativa, bem difundido, contribuiu para fixar a associação de Agostinho ao dogma da Trindade (LE GOFF, 2013)

O fato de Agostinho ter escrito “Confissões”, uma espécie de relato biográfico autorreflexivo onde o leitor é guiado pelos caminhos das dúvidas existenciais e teológicas do filósofo, nos permite conhecer, através de indícios deixados aqui e ali, alguns elementos da história pessoal do teólogo.

Confissões de Santo Agostinho de Hipona. Disponível em https://stringfixer.com/pt/Confessions_of_St._Augustine


Uma das figuras mais estudadas do período medieval em diversos aspectos, Agostinho de Hipona e sua obra estão longe de serem esgotados por aqueles que sobre eles se debruçam.
Agostinho de Hipona, assim como alguns dos teólogos do seu período, foi inserido no que se convencionou chamar de Patrística, sendo venerado como santo, Doutor da Igreja e patrono da Ordem dos Agostinianos. O dia da sua morte, 28 de agosto, marca também a sua celebração no calendário litúrgico católico.
Que tal levar Agostinho de Hipona para a sala de aula utilizando justamente trechos das suas Confissões para mostrar aos alunos que os homens medievais, assim como nós, encontravam-se imersos em dúvidas quanto a importância e à condição da nossa existência?
O desafio está lançado!

Por: Profa. Dra. Marta Silveira (UERJ) e Christiana Baylo (Graduanda – UERJ)

Bibliografia

B. MATTHEWS, G. Santo Agostinho: A vida e as idéias de um filósofo adiante de seu tempo. [s.l.] Editora Schwarcz – Companhia das Letras, 2007.

FUCCI AMATO, R. Santo Agostinho: Deus e Música. 1. ed. Curitiba: Editora Prismas, 2015.

LE GOFF, J. Homens e Mulheres da Idade Média. 1. ed. São Paulo: Estação Liberdade, 2013.

PEDRO III DE ARAGÃO

Filho mais velho do Rei de Aragão Jaime I. Após a morte do pai, ocupou seu lugar na condução do governo aragonês até 1285. Ele também dominava o principado da Catalunha e Valência.
Em seus projetos políticos, estava a expansão para o mediterrâneo, o que o motivou a colocar o seu irmão e rei de Maiorca como vassalo através do Tratado de Perpignan. A ilha possuía uma posição estratégica e tê-la facilitaria os seus planos de expansão.
Assim como o seu pai, Pedro III enfrentou o desafio de manter o seu reino, marcado por dois principados que prezavam pela sua autonomia. Aragão e Catalunha tinham em comum o desafio de ampliar territorialmente a sua fronteira sobre os territórios muçulmanos, mas também de manter os limites territoriais entre si. Quando Jaime I, o Conquistador (1208-1276) uniu os dois reinos tornou-se necessário utilizar a força militar e administrativa para mantê-los coesos, resistindo, principalmente, ao assédio constante dos monarcas e nobres franceses sobre o norte peninsular, no século VIII entendido pelos carolíngios como a Marca Hispânica. Logo, o reinado de Pedro III não foi poupado de revoltas e conflitos políticos internos, especialmente na região da Catalunha.

Também no âmbito externo, Pedro III herdou dos seus antecessores o plano político de expansão comercial e territorial sobre as áreas mediterrânicas que haviam sido incorporadas após o enfraquecimento das forças muçulmanas. Como lembra David Abulafia, em sua obra O Grande Mar (2014), “A vocação mediterrânica dos reis de Aragão não era óbvia antes do século XIII”, mas seguindo os interesses das cidades catalãs, “Eles [os reis de Aragão] começaram a enxergar os benefícios do comércio de além-mar e das campanhas navais através do Mediterrâneo.” (ABOULAFIA, 2014, 358).
A circulação de pessoas e de produtos era bastante intensa no século XIII. Nas regiões que banhavam o mar diversos portos e cidades estavam distribuídas em redes comerciais reunindo mercadores de origens diversas. Ocupando a ponta ocidental da bacia mediterrânica, o reino de Aragão precisava assegurar o seu acesso privilegiado ao mar investindo na estrutura dos seus portos para abrigar navios e pessoas que atravessavam o Mediterrâneo.

Devido ao seu casamento com Constança, filha de Manfredo Hohenstaufen e última descendente do imperador Frederico II, Pedro III foi escolhido rei da Sicília pelos sicilianos que se revoltara contra o governo expansionista do conde Carlos de Anjou e a sua rígida política fiscal sobre boa parte das ilhas da costa ocidental mediterrânica. A série de batalhas dos sicilianos movidas contra o conde de Anjou ficaram conhecidas como Vésperas Sicilianas porque começou na segunda-feira de Páscoa, e quando soavam as vésperas iniciou-se um sangrento massacre onde vários franceses residentes na ilha foram dizimados.

Controlando a Sicília e assegurando a faixa mediterrânica do reino aragonês Pedro III garantiu a preservação dos interesses comerciais catalãs no Mediterrâneo, o que propiciou um reforço econômico considerável para o reino, mas atraiu também a oposição dos outros monarcas.

O conflito com os franceses na Sicília rendeu uma invasão no reino de Aragão, em 1295, que terminou com a vitória dos aragoneses. Contudo, como lembra Aboulafia: “A despeito das tentativas papais de mediação, em 1302, e depois disso, a rivalidade entre angevinos [franceses] e aragoneses continuou ao longo do século XIV, consumindo preciosos recursos financeiros e de vez em quando estourando para o interior.” (ABOULAFIA, 2014, 371).

O governo de Pedro III é reconhecido como um dos mais importantes de toda a Espanha devido, sobretudo, à expansão da atuação comercial, política e militar aragonesa sobre a bacia mediterrânica ocidental, assegurando a Aragão o controle de portos estratégicos para o comércio mediterrânico. Pedro III, assim como outros monarcas latinos, sensíveis às alterações políticas e econômicas ocorridas no mundo muçulmano cruzadístico, buscou garantir ao seu reino um espaço privilegiado na dinâmica comercial do Mediterrâneo, que consequentemente propiciou-lhe a liberação dos recursos necessários para que fizesse frente também aos desafios político-militares internos representados pelos monarcas castelhano-leoneses e pelas forças muçulmanas ainda resistentes.   

O reinado de Pedro III foi muito importante para o entendimento da dinâmica comercial e de difusão de conhecimento pelo Mediterrâneo, e das variações políticas que ocorriam na região. Por que não usar as referências acerca de Pedro III para trabalhar com os alunos a diversidade cultural, os conflitos políticos e a circulação de produtos e de pessoas que enriqueciam e propiciavam o contato entre as sociedades ocidentais e orientais no período medieval? Por que não aproveitar e discutir com os alunos a importância que essa região possui ainda hoje nas redes comerciais e no fluxo migratório de pessoas? O desafio está lançado!

Por: Profa. Dra. Marta Silveira (UERJ)

Camila Santanna (Graduanda – UERJ)

BIBLIOGRAFIA

ABOULAFIA, D. O Grande Mar. Uma história humana do Mediterrâneo. Rio de Janeiro: Objetiva, 2014.

COSTA, Ricardo da. Maiorca e Aragão no tempo de Ramon Llull (1250-1300). Mirabilia, Barcelona, v.1, p.163-172, 2001.

LOYN, Henry R. Dicionário da Idade Média. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1997, p.291

ZAIDA

DESCUBRE CASTILLA: Reina Zaida. Una "mora" reina de Castilla.

Nascida no século XI, aproximadamente no ano 1073 d. C., a figura de Zaida é cercada por lendas, o que torna difícil entender a história que ela protagonizou.
As representações feitas sobre a moura na cronística medieval variaram consideravelmente. Zaida foi descrita como nora do rei da taifa de Sevilha Abenabeth (al-Mutamid). Zaida teria sido levada à corte sevilhana dos Abbadidas quando tinha quinze anos para que se casasse com um dos filhos de al-Mutamid e de sua esposa Itimãd al-Rumaiqiyya. A princesa muçulmana casou-se, então, com o quarto filho, Fath al-Mamun, no ano de 1089, quando tinha dezesseis anos de idade.
Com a invasão dos almorávidas, Fath al-Mamun viu-se sitiado e decidiu colocar sua esposa a salvo junto com a sua fortuna no castelo de Almodóvar del Río. Depois da tomada de Córdoba e do próprio castelo em que estava refugiada, Al Ma’mun foi assassinado e a jovem viúva buscou refúgio na corte de Afonso VI, onde teria se tornado concubina do rei cristão (ROMÁN, 2013, p. 143-144).

Na Primeira Crônica Geral da Espanha, Zaida, considerada uma das espoas de Afonso VI, foi descrita como filha do rei da taifa de Sevilha Abenabeth (al-Mutamid), sendo caracterizada como uma donzela bonita e de bons costumes e que herdou do seu pai a cidade de Cuenca e outras vilas e castelos.

Os autores da A Historia de los Hechos de España e da Crônica Valeriana também deram a Zaida o status de esposa de Afonso VI, que teria exigido que sua esposa se convertesse ao cristianismo. Levando-se em consideração a concepção de poder monárquico que foi sendo configurada na monarquia castelhana especialmente a partir do reinado de Afonso VI, onde o rei era entendido, devido às circunstâncias geradas pela retomada do território peninsular das mãos das forças muçulmanas, como  um chefe militar mas também como o líder do povo cristão.

            Após o casamento e a conversão ao cristianismo, que foi uma condição imposta pelo rei de Leão e Castela, ela teria passado a se chamar Isabel (Primeira Crônica Geral da Espanha) ou Maria (Historia de los Hechos de España). A conversão da princesa ao cristianismo era essencial para a legitimação da união matrimonial da qual resultou o nascimento do único herdeiro masculino do rei, Sancho Afonso. Portanto, para que não pairasse dúvidas sobre a ascendência do futuro rei de Leão e Castela e legitimar o seu futuro acesso ao trono, mostrava-se fundamental dar à união dos seus pais um caráter legítimo diante do reino e da Igreja.

Batismo de Zaida
Disponível em: https://cihispanoarabe.org/news/zaida-reina-de-castilla-y-leon/?fbclid=IwAR23dAi6uCaU7Hm50RoWOa8cw22RYKxoFub5Ejtnsn_7THAjOKDkJs5B1gk.

Em um contexto onde o papado romano, um dos aliados do rei Afonso VI em seu projeto de reconquista e repovoamento do território pelas forças cristãs, mostrava-se amplamente empenhado em estabelecer as normas eclesiásticas em torno do casamento, tornando-o um sacramento, mostrava-se fundamental garantir a legitimidade da união entre Zaida e Afonso.
A literatura cronística produzida nos séculos posteriores, especialmente aquela do século XIII, ao narrar a história do reino castelhano-leonês e dos seus monarcas, dedicou-se, dentre outros objetivos, a reforçar a legitimidade da casa dinástica castelhana, cujos os representantes mais emblemáticos do período foram Fernando III, o Santo e seu filho Afonso X, o Sábio. Dessa forma, a figura do rei Afonso VI, um dos seus mais valorosos ascendentes, não poderia ser maculada por estar em uma união ilegítima e o trono castelhano legado a um futuro rei que tivesse nascido de um matrimônio não legítimo.
Como há poucos registros sobre a princesa Zaida em seu tempo e à posteriori as informações que se têm sobre ela são esparsas, lacônicas e incertas, até hoje não há como se definir se ela teria sido uma esposa ou uma concubina do rei Afonso VI que, ao longo do seu reinado (1065-1109), teve um total de cinco ou seis esposas, mais as concubinas.
A quantidade de relacionamentos conjugais e de relações de concubinato indica que o rei Afonso utilizou, a favor do seu projeto de poder, uma intensa política matrimonial.
Certeza temos somente que ela foi a única a dar um filho homem ao monarca, o príncipe herdeiro de Leão e Castela, Sancho Afonso, que faleceu na Batalha de Uclés, em 1108.
Zaida é uma figura que causa bastante curiosidade em quem se debruça sobre o estudo das mulheres medievais. É uma das poucas mulheres muçulmanas presentes, nem que seja somente nominalmente, nas crônicas castelhanas, mas a sua presença se explica basicamente sobre a causalidade de ter sido a única dentre as diversas mulheres com as quais o rei se relacionou a ter o único herdeiro masculino do trono. O que sabemos sobre Zaida é muito pouco e a sua importância está em ter desempenhado bem a sua função de mulher: gerar um filho.
Por que não usar a figura de Zaida para discutir a importância que a maternidade tinha na identidade da mulher medieval, especialmente aquela que pertencia aos altos círculos sociais? E por que não utilizá-la para debater com os alunos como os desafios políticos se sobrepunham às questões étnico-religiosas na Península Ibérica? Dessa forma é possível mostrar uma Idade Média eclética cultural e etnicamente diversa.
O desafio está lançado!

Por:
Dra. Marta Silveira (UERJ)
Mestranda Nathalia Xavier (PPGHC-UFRJ)

BIBLIOGRAFIA
FRUTOS, Alberto Montaner. La mora Zaida, entre historia y leyenda (con una reflexión sobre la técnica historiográfica alfonsí). In: BARRY, Taylor; WEST, Geoffrey. Historicist essays on hispano-medieval narrative. Routledge; 1ª edição, 2005. p. 272-352.
MENÉNDEZ PIDAL, Rámon (ed.). Primera Crónica General: Estoria de Espana que mandó componer Alfonso el Sabio y se continuaba bajo Sancho IV em 1289. Madrid: Bailly-Bailliere e Hijos Editores, 1906. p. 553-554. Disponível em: https://archive.org/details/primeracrnicage01sancgoog/page/n794/mode/2up Acesso em: 20 de setembro de 2020.
ROMÁN, José Pedro Gil. Acerca de Zaida. In: __. Al-Mutamid de Sevilla: Un rey de leyenda. Sevilha: Ediciones Alfar, 2013. p. 143-144.
VALERA, Diego. Cronica de España. 1489. p. 201.
VALVERDE, Juan Fernández. Historia de los Hechos de España. Madris: Alianza Editorial, 1989.

Bettisia Gozzadini (1209-1261)

Grande parte dos estudos relativos ao Direito realizados no Ocidente medieval teve origem na Universidade de Bolonha, considerada a primeira universidade ocidental, fundada em 1088. Foi na cidade de Bolonha que nasceu, em 1209, Bettista Gozzadini. De origem nobre, Bettista era filha de Amadore Gozzadini e Adelasia de Pegolotti.
Pouco se sabe sobre a vida de Bettista. Uma breve pesquisa na internet e em algumas publicações especializadas nos faz ver que praticamente um mesmo texto sobre a personagem se reproduz, com alguns adendos, em praticamente todas elas. Contudo, apesar dos poucos dados biográficos que sobreviveram a sua época, Bettista não foi esquecia pelo tempo pela graças a sua característica mais destacada por seus poucos biógrafos: a inteligência. Bettista, portanto, não se perdeu no silêncio da História como tantas outras mulheres.
Com uma inteligência reconhecida por seus mestres, Bettista foi estimulada a estudar desde a sua infância e na sua juventude, professores como Giacomo Baldavino e Tancredi Arcidiacono, que atuavam em Bolonha, incentivaram-na a estudar Direito. Aluna brilhante, em 1236, Bettisia Gozzadini recebeu o título de Doutora em Direito, tornando-se, pelo que se sabe, a primeira mulher a obtê-lo.

Conhecida pela sua oratória, Bettisia colecionou alguns exemplos de fama acadêmica: a realização do discurso no funeral do bispo de Bolonha, Erico della Fratta e da homenagem pública ao Papa Inocêncio IV.
O prestígio de Bettisia no meio universitário era tanto que após completar a sua formação deu aulas em sua casa, e diante do sucesso alcançado, foi admitida como mestre em Bolonha após convite do bispo Enrico della Fratta.
Ao escrever sobre Bettisia Gozzadini, Umberto Eco ressaltou que em torno dela se formaram algumas “lendas”, que provavelmente têm um ponto de conexão com a realidade. Reza a lenda que Bettisia frequentou as aulas trasvestida de homem para transitar de forma mais livre no ambiente universitário, além de dar aulas coberta com um véu para não perturbar o aluno com a sua beleza. Lendas ou não, o uso de uma vestimenta masculina em seu período de formação e do véu em suas aulas refletem a excepcionalidade que era a presença de uma mulher no ambiente universitário.
Bettisia de Gozzadini permaneceu como uma referência acadêmica até sua morte, em 1261, em decorrência de ferimentos causados em um acidente durante a cheia do rio Ídice, que causou a destruição da sua casa. As poucas informações disponíveis indicam que ela não se casou e dedicou a sua vida aos estudos do Direito.

Atualmente o busto realizado em homenagem a Bettista está exposto no Esposta in permanenza al Museo della Storia di Bologna di Palazzo Pepoli, demonstrando que ela era uma mulher que não poderia se perder nas brumas da memória acadêmica bolonhesa e graças a esse esforço de preservá-la, restou-nos um vestígio da sua aparência física.
Por que não levar uma figura tão interessante e pioneira como Bettisia de Gozzadini para a sala de aula? Por que não usá-la como uma referência para que os alunos reflitam sobre a diversidade de papéis sociais e intelectuais que as mulheres ocuparam na cultura medieval? Por que não fazer da trajetória de Bettisia um estímulo para que os alunos entendam que a sua capacidade intelectual e o desejo de aprender pode fazer com que vençam condições que à princípio podem ser-lhes adversas? Por que não mostrar aos alunos que na Idade Média, por muitos ainda considerada como “Idade das Trevas”, havia universidades que não se limitavam a reproduzir, mas também a criar conhecimentos graças a atuação de mestres como Bettisia?


O desafio está lançado!


Contribuição de:
Marta Silveira (Profa. Adjunta de História Medieval da UERJ)
Luana Cantalice (Graduanda em História – UERJ)

Bibliografia
CARDINALE, Tommaso. Bettisia Gozzadini, la prima donna insegnante universitaria (nel medioevo). Documentazione.info, 24 de jun. de 2020. Disponível em: https://www.documentazione.info/bettisia-gozzadini-la-prima-donna-insegnante-universitaria-nel-medioevo. Acessado em: 15 de jun. de 2021.
COSTA, Marcos R. N.; Costa, Rafael F. Mulheres intelectuais na Idade Média: entre a medicina, a história, a poesia, a dramaturgia, a filosofia, a teologia e a mística. Porto Alegre, RS: Editora Fi, 2019. p.235-236.
ECO, Umberto. Bettisia Gozzadini e Novella D’Andrea. http://www.enciclopediadelledonne.it/biografie/bettisia-gozzadini-e-novella-dandrea/. Acessado em 17 de Outubro de 2021.

Alcuíno de York

Alcuíno (730-804) nasceu em York, originário de uma família nobre, estudou na escola catedralícia da sua cidade. Alcuíno se voltou para as letras antigas e foi um grande entusiasta de Virgílio, preferindo mais o poeta romano que os salmos. Tornou-se um grande difusor das sete artes liberais (Trivium e Quadrivium) que tiveram destaque na antiguidade, sendo posteriormente debatidos e cristianizados.
Em 757, Alcuíno é alçado à posição de mestre, após a ascensão de seu antigo tutor ao cargo de arcebispo. Na escola da catedral procurou preservar o acervo que mantinha na biblioteca, sendo responsável por todas as obras que lá se encontravam. O zelo pelos clássicos influenciou não só a sua formação como também no surgimento do renascimento carolíngio.

Disponível em: https://www.bbc.com/portuguese/geral-42485915 – Acesso em: 20/06/20.

Carlos Magno (768-814), que já conhecia Alcuíno, o convidou para ser mestre na escola palatina de Aix-la-Chapelle, em 781. Alcuíno se tornou um dos principais conselheiros e mestres do imperador. O monge Eginhardo (770-840) o descreveu como um grande educador, o melhor de seu tempo. Como pedagogo buscou combater o analfabetismo d, todavia, não se limitou a isto, mas procurou propagar as artes liberais, começando pelo imperador e expandindo-a para clérigos e leigos.
Com Alcuíno, Carlos Magno foi instruído nas artes: retórica, dialética, cálculo e astronomia. Alcuíno foi o responsável pela educação do filho do imperador, Pepino, e desenvolveu um jogo de perguntas e respostas que buscava ensinar a criança com brincadeiras. As atividades pedagógicas de Alcuíno foram registrados na obra Proposições para Instruir os Jovens onde estão reunidos 53 exercícios de lógica matemática, ou matemática recreativa. No problema 18, Alcuíno propôs o seguinte desafio:

Um lobo, uma cabra e uma couve têm de atravessar um rio num barco que transporta um de cada vez, mais o remador. Como é que o remador os levará para o outro lado de forma que a cabra não coma a couve e o lobo não coma a cabra?

Manuscrito Carolíngio de 814. Alcuíno está no meio, entre Rábano Mauro e Odgar de Mainz

Além das contribuições no campo da matemática, Alcuíno dedicou-se também a organizar uma pequena gramática intitulada De Orthographia que propunha uma padronização do uso do latim. O esforço demonstrado por Alcuíno para sistematizar a escrita do latim insere-se em um esforço dos letrados carolíngios de resgatar os textos clássicos greco-romanos e a escrita do latim culto. A De Orthographia de Alcuíno é um texto extremamente significativo para os estudos histórico-linguísticos medievais, mas ainda é muito pouco explorado pelos pesquisadores brasileiros. Segundo Everton Grein e Gabrielly Geisler, que se dedicam ao etudo dessa obra no Brasil, “[…] é indiscutível a importância do monge para o latim medieval, pois ele foi responsável por uma nova perspectiva de estudo da língua na Idade Média, e inclusive pela tentativa da construção de uma fonética do latim medieval.” (GREIN e GEISLER, 2021, 170).

Manuale di grammatica, copia più antica (anno 800 circa). Abbazia di San Martino a Tours (Francia).


Os últimos dias de Alcuíno foram passados tranquilamente em Tours, na França, onde faleceu no ano de 804. Alcuíno deixou um grande legado para a educação medieval, contribuindo significativamente para a preservação do conhecimento e da cultura latina.
Que tal levar uma figura tão interessante como Alcuíno de York para a sala de aula a fim de mostrar para o aluno que a Idade Média não foi um período de trevas e de ignorância, mas sim de construção de conhecimento? Que mostrar aos alunos que a matemática que ele aprende na escola hoje, bem como a estrutura da língua que ele utiliza hoje no Brasil obedece a uma organização gramatical de origem latina? Que tal envolver os colegas de Língua Portuguesa e de Matemática em um projeto comum? Dessa forma o aluno poderá entender que o conhecimento que ele aprende na escola tem uma história e melhor ainda, ele poderá aprender que as áreas de conhecimento, apesar de estarem compartimentalizadas no ensino, não o estão no seu processo de produção e nem na sua utilização. Fazer o aluno relacionar informações é sem dúvida uma das melhores formas de ensinar!
O desafio está lançado!

Contribuição de:

Marta Silveira (Profa. Adjunta de História Medieval da UERJ)
Erik Patrick Magalhães da Silva (Graduado em História – UNESA)

FONTES PRIMÁRIAS

EINHARD. Vita Magni Caroli Magni. Disponível em: https://www.ricardocosta.com/traducoes/textos/vida-de-carlos-magno-c-817-829. Tradutor: Luciano Vianna e Cassandra Moutinho

DIÁLOGO ENTRE PEPINO E ALCUÍNO. In: LAUAND. Educação, teatro e
matemática medievais. São Paulo: Perspectiva, 1986.

REFERÊNCIAS BIBIOGRÁFICAS

ABELSON, Paul. As Sete Artes Liberais: um Estudo Sobre a Cultura Medieval. Kírion, 2019.

FAVIER, J. Carlos Magno. São Paulo, Estação Liberdade, 2004.

LE GOFF. A civilização do Ocidente medieval. Vol. I,. Imprensa universitária.
Editorial estampa. 1983, Lisboa.

GREIN, Everton e GEISLER, Gabrielly Cecília. O De Orthographia de Alcuíno de York: Estudo de um Manual do Século VIII. p. 156-171. In: SILVEIRA, M. de C. e MARTINS, R. G. R (org.). Nearco. Revista Eletrônica de Antiguidade e Medievo. v. 13, n.1., 2021. Disponível em https://www.e-publicacoes.uerj.br/index.php/nearco/article/viewFile/58587/pdf

GILSON, Etienne. A filosofia na idade média. Tradução Eduardo Brandão. São Paulo: Martins Fontes. 1995.

NUNES, Ruy Afonso da Costa. História da Educação na Idade Média. E.P.U, 1979

OLIVEIRA, Priscila Sibim. Alcuíno e a educação de governantes (final do século XIII e inicio do século IX). Dissertação (Mestrado em Educação) – Universidade Estadual de Maringá. Orientadora: Dra.: Terezinha Oliveira. Maringá, 2008.