Antônio de Lisboa (o Lisboeta) conhecido pelos fiéis mais por seus poderes taumatúrgicos que por sua vida como religioso e escritor, possui, assim como muitas personagens medievais, data imprecisa de nascimento que está entre 1190 e 1195.

Seu nome de batismo era Fernando Martins. Entre 1202 e 1203 iniciou suas primeiras letras na escola catedral de Lisboa. Além disso, recebeu educação religiosa de boa qualidade e lá permaneceu pelo menos seis anos. Um dado que contribuiu para a sua formação foi a sua convivência nas ruas da cidade que, no século XIII, transitavam e/ou permaneciam por temporadas muitos cruzados e forasteiros.

Logo após este período, Antônio matriculou-se no Mosteiro de São Vicente de Fora de Lisboa pertencente aos Cônegos Regrantes de Santo Agostinho. Ali fez a sua profissão religiosa, que ocorreu após um ano de estudos. Posteriormente transferiu-se para outro mosteiro, o de Santa Cruz de Coimbra onde teve acesso a uma formação sólida, pois muitos dos cônegos que eram mestres haviam cursado a Universidade de Paris. Os mestres do mosteiro tinham a sua formação pautada, principalmente, nas chamadas Sumas, nas glosas à Bíblia e nas Sentenças de Pedro Lombardo. O estudo das Sagradas Escrituras era realizado a partir do método agostiniano, que tinha como base dois prismas: o da análise literal ou histórica e a espiritual ou figurada.

O ambiente encontrado no mosteiro não foi o que Antônio almejava, pois as práticas como nicolaismo e simonia eram corriqueiras e não se coadunavam com a vida religiosa. Neste período, ou seja, em 1219, Francisco de Assis enviou uma missão para o Marrocos que permaneceu um tempo em Coimbra. A experiência religiosa destes frades que andavam maltrapilhos, defendiam a paz e observavam radicalmente o Evangelho, causou espanto, que foi ainda mais acentuado com o retorno dos seus corpos martirizados para serem sepultados em Santa Cruz. Fernando certamente ficou tocado e por isso decidiu ingressar no movimento franciscano. Em 1220, vestiu o hábito dos seguidores do Santo de Assis e trocou o nome para Antônio.
Antônio partiu para o Marrocos, a fim de pregar, mas não conseguiu chegar lá por ter sido acometido por uma doença e retornou a Europa. Chegou a Assis em tempo de participar do Capítulo das Esteiras de 1221. Foi designado para ser o sacerdote responsável pelas missas e ajudante de cozinha no eremitério de Montepaolo.
Em setembro de 1222, durante uma ordenação conjunta dos Frades Menores e Pregadores em Forli sua trajetória ganhou uma outra direção. Isso porque durante a missa de ordenação o superior solicitou que Antônio pregasse. Ele não declinou do pedido e proferiu um sermão que, segundo as fontes, surpreendeu a todos. Após esse acontecimento, o frade lisbonense foi encarregado da missão de pregar por toda a província. Depois disso foi convidado para ser mestre de teologia da Ordem dos Frades Menores pelo seu próprio fundador, Francisco de Assis.

A partir deste momento, Antônio ganhou um outro papel na Ordem, como podemos ver no texto da Hagiografia Vida I de Tomás de Celano, sobre Francisco de Assis, que no capítulo 48 afirma que: “o Senhor abrira a inteligência para compreender as escrituras, e que falava do Senhor a todo o povo com palavras mais doces que o mel e o favo”. Este pode ser um sinal da importância que ele adquiriu na instituição.
Antônio criou e tornou-se mestre da primeira casa de formação dos Frades em Bolonha, no final de 1223. Pregou no Languedoc para combater a expansão cátara na região e ensinou nas escolas conventuais de Toulouse e Montpellier. Após esse período de ensino, ocupou vários cargos administrativos como guardião do convento de Puy-em-Velay, custódio do convento de Limoges e ministro da Província da Emília e Lombardia que, devido ao tamanho da província tornou-se um trabalho árduo, mas através dele Antônio pôde conhecer a situação social e religiosa da sociedade local.
Em 3 de outubro de 1226 Francisco de Assis faleceu e deixou um texto chamado Testamento, escrito no verão de 1226, que pôs em cheque várias posições e caminhos que a instituição tomou sob a orientação da Igreja Romana. Este texto gerou um grande problema entre os frades, pois colocava a pobreza como temática central da ordem. Francisco recomendou que o texto não fosse mudado e que fosse lido junto com a regra nos capítulos, o que lhe atribuía um caráter oficial. Por isso, em 1230, os frades enviaram uma comissão à Cúria Papal, a fim de resolver as questões que o Testamento criava entre eles. O Lisboeta era um dos que a formavam e foi fundamental na decisão de não dar caráter oficial ao Testamento. O impasse foi resolvido com a publicação da bula Quo elongati (Quão Longe), de 28 de setembro de 1230, que determinou que o Testamento não possuía um caráter legal, o que retirava qualquer obrigação da sua observação. Esta decisão acrescida da abertura de casas de estudo para formação dos pregadores proporcionou uma virada histórica da Ordem.
No ano de 1230, o Lisboeta adoeceu e afastou-se de sua missão administrativa, tendo autorização somente para pregar. Neste período passou a confeccionar, a pedido dos confrades, sua obra Sermões Dominicais e Festivos, um conjunto de sermões que serviam de manual para que os frades, religiosos de outras ordens e padres seculares pudessem elaborar os seus próprios discursos. Esta obra expressava uma preocupação religiosa e moral com a formação dos pregadores. Em seu texto fica a marca de uma formação teológica sólida que partia do que era considerado a verdadeira ciência, a Sagrada Escritura. Através de sua vida pastoral, sua doutrina, escritos e espiritualidade, Antônio revestiu da ciência da oratória a pregação simples e popular de Francisco.
Como precursor da Escola Franciscana, o Lisboeta tornou-se um elo entre esta e a tradição agostiniana. Antônio influenciou, através de suas obras, pregações e aulas, as gerações de franciscanos subsequentes, como pode ser comprovado pelas obras de Boaventura, Bernardino de Sena, Jaime da Marca e Scoto.

Santo Antônio de Lisboa: o que fazer no bairro mais charmoso de Floripa

A influência de Santo Antônio de Lisboa é muito forte na cultura brasileira. Além de ser o santo mais procurado, na tradição popular, pelos seus serviços de casamenteiro, o santo empresta o seu nome para um dos bairros mais charmosos da cidade de Florianópolis. Um passeio por Santo Antônio de Lisboa rende aos turistas uma sensação de deslocamento no tempo, para o um Brasil colonial com forte tradição açoriana expressa na arquitetura e na gastronomia.

Por que não levar uma figura tão interessante como Antônio de Lisboa para a sala de aula e discutir com os alunos a sua influência tanto na expansão da arte da retórica, discutindo com os alunos a forma como esse saber é utilizado até hoje nas mais diversas profissões, além dos usos políticos que ela possuiu e possui ainda hoje na contemporaneidade? E por que não explorar com os alunos a importância que o santo tem na cultura popular, dando legitimidade ao uso religioso das festas juninas? E mais ainda… por que não mostrar aos alunos como os nomes, os prédios, a alimentação com que temos contato têm uma história que, se conecta, por vezes, a Idade Média?

O desafio está lançado!

Contribuição de:

Dr. Jefferson Machado e Dra. Marta Silveira (UERJ)

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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